Migrações, legislação e o impacto na procura imobiliária em Portugal
Neste artigo não iremos falar das migrações internas (deslocações de população dentro do país), nem em particular de emigração (a saída de residentes, em particular portugueses para outros países), mas vamos olhar para alterações legislativas nos últimos anos que tiveram impacto na imigração (entrada de estrangeiros que passam a residentes).
Uma boa parte destas movimentações têm origem em questões económicas e fiscais, enquanto algumas, mais residuais, terão que ver com as condições específicas do país, como a segurança, estabilidade (apontadas por parte da imigração brasileira e de reformados de países europeus) e um bom clima, com um custo de vida razoável.
É importante olharmos para o impacto que as alterações legislativas tiveram ao longo dos anos na atratividade do país para certos grupos e nacionalidades.
Assim temos:
O designado “Golden Visa” (ARI – Autorização de Residência para Atividade de Investimento), lançado em outubro de 2012, onde o visto de residência (e eventual cidadania) dependia de investimento, com foco no imobiliário, o que atraiu muitos investidores de fora da europa, em particular chineses (com uma ênfase a partir de certa altura em cidadãos de Hong Kong), sul-africanos, brasileiros, russos, turcos, e mais recentemente americanos. O facto de Portugal até há pouco tempo não tributar os cripto-ativos também contribuiu para adicionar alguns investidores destas áreas uma emigração, ainda que temporária. Como é explicado mais à frente, esta legislação representava cerca de 1000-1200 vistos por ano, o que não teria um impacto particular no mercado de habitação (até porque estamos a falar de habitações acima de 500.000 euros em muitos casos, em empreendimentos onde o português médio não teria acesso) e representava cerca de 5 a 6 mil milhões de investimento estrangeiro anual, sem contar com o que estas pessoas gastariam no país. Este mecanismo, em termos imobiliários, foi praticamente extinto em 2023 com o pacote “Mais Habitação”.
O pacote designado por “Reformas Douradas” (Estatuto de Residente Não-Habitual) que se aplicava, entre outros, a reformados e a profissionais com perfil considerado interessante, e a países com quem Portugal tem acordos de dupla tributação, tinha por o objetivo de atrair reformados e profissionais com bons rendimentos, e que os viessem gastar no país. A tributação zero aplicada inicialmente durante 10 anos, passou a 10% depois dos protestos de alguns países. Esta legislação atraiu muitos reformados como se pode ver pelos números, em particular de França, Reino Unido e Itália, mas também de países nórdicos. Em cerca de 20 anos houve uma entrada (em particular na última década) de mais de 100.000 novos residentes de países comunitários (sem contar com a Roménia, que tem uma emigração expressiva e que seria emigração essencialmente económica).
A lei dos sefarditas, aprovada em 2006 (alterada em 2013), permite a legalização de judeus que comprovem ser descendentes de judeus com origem portuguesa, que tivessem sido expulsos nas purgas do sec. XVI e anteriores, levou a que mais de 57.000 descendentes obtivessem a nacionalidade portuguesa (e logo deixam de constar na estatística de imigrantes). Esta lei vigora até finais de 2023.
Uma alteração à lei dos Estrangeiros em 2017 na Assembleia da República, que simplifica a obtenção de visto de residente, levou à legalização de muitos imigrantes ilegais que estavam a trabalhar e a descontar para a segurança social em Portugal, e à criação de mecanismos, nem sempre transparentes, para trazer migrantes de países, nomeadamente do subcontinente indiano (India, Bangladesh, Nepal, etc), como se consegue ver na subida repentina na imigração destas regiões a partir desse ano.
A lei de obtenção de cidadania, em particular através da comprovação de ascendentes de origem portuguesa, tem levado a muitos cidadãos, em particular do brasil, a pedir a cidadania portuguesa, deixando de integrar as estatísticas da imigração a partir de um determinado momento.
Ao contrário do que se passa com a população portuguesa que tem um saldo natural (Nascimentos-Mortes) negativo desde praticamente 2007, no caso do saldo migratório (Emigração-Imigração), ele é claramente positivo (com exceção nos anos de crise 2011-2016).
Considerando o saldo entre os dois, verificamos que a população aumentou em cerca de 130.000 pessoas nos anos 2019-2022. No entanto é importante lembrar que o saldo de entradas-saídas de emigrantes (2017-2022) foi de cerca de 323 mil, cuja distribuição no país não foi uniforme (ao contrário dos nascimentos-óbitos, proporcionais à população existente em cada local), o que tem necessariamente um impacto na procura imobiliária, em particular nas zonas onde estes emigrantes se concentram.
A acrescer a este fenómeno tivemos em 2022 o início da guerra Russo-Ucraniana, que levou a que chegassem a Portugal, ao abrigo do estatuto de refugiados, cerca de 56.000 refugiados até junho de 2023. Isso representa uma enorme pressão, nomeadamente no mercado de arrendamento, em particular nas grandes cidades, onde se concentram na sua maioria. Para além de refugiados ucranianos, também se assistiu à chegada de uma vaga de imigrantes russos que fogem à guerra (cerca de 12.000 entradas em 2022, e a subir no final do ano com a declaração da mobilização). Muitos jovens profissionais que trabalham remotamente. Uma boa parte destes imigrantes têm capacidade financeira para pagar rendas mais elevadas e acabam por “secar” o mercado de oferta, que já não era muito abundante.
Como é natural, estes números pressupõem uma pressão na procura em zonas como Lisboa e Vale do Tejo, Setúbal, Algarve, Costa Alentejana, Porto, entre outros.
Iremos analisar com mais detalhe alguma da origem desta pressão sobre a procura de imóveis, em artigos futuros, com mais alguns números, e discutir nomeadamente, as migrações internas.